Seara condenada em R$ 10 milhões por omissão em medidas de prevenção à Covid-19

(Londrina, 15/03/2022)  A Justiça do Trabalho em Rolândia, norte do Paraná, em sentença da Juíza Patricia Benetti Cravo, condenou o frigorífico Seara Alimentos Ltda., unidade que emprega cerca de 3.500 trabalhadores, a pagar 10 milhões de reais por danos morais coletivos pela insuficiência de medidas de prevenção à Covid-19, doença que já matou mais de 654 mil pessoas no Brasil.

O descaso com as medidas básicas de proteção foi reconhecido na sentença que assinalou que "o aspecto econômico-financeiro claramente prevaleceu (e continua prevalecendo até hoje, quase dois anos após o início da pandemia) em detrimento da proteção à vida e saúde de seus empregados", uma vez que o frigorifico "reconhece expressamente que simplesmente não cumpriu (e continua não cumprindo) a legislação preconizada de distanciamento social mínimo, porque essa medida iria afetar o volume de produção da empresa e prejudicar a produtividade e lucratividade da ré".

A decisão afirma que trabalhadores contaminados foram afastados por apenas 4 dias, quando o afastamento mínimo seria de 14 dias. Além disso, inúmeros casos confirmados não foram notificados ao Município, agravando a subnotificação, prejudicando a política pública que se propunha a proteger a população da Macrorregião Norte do Paraná.

A Juíza destacou o descaso com as medidas de prevenção, assinalando que inicialmente o frigorifico fornecia máscaras de tecido, quando deveria fornecer respiradores do tipo PFF2, e que posteriormente passou a fornecer máscaras PFF2, com troca a cada 2,5 dias, quando a substituição deveria ocorrer diariamente.

A decisão observou que a perícia comprovou que "em quase todos os setores produtivos da ré (evisceração, sala de corte, embalagem, embalagem secundária, asa e desossa manual e rependura), foi constatada pelos peritos distância de ombro a ombro entre os trabalhadores inferior a 1 metro, em desacordo ao preconizado nas Portarias e Resoluções (chegando a apenas 0,3 metro no setor de rependura), e que as máscaras PFF2 não são substituídas diariamente, situação que em ambiente artificialmente frio e úmido, não ventilado, gera claro prejuízo à proteção a saúde dos trabalhadores".

Até a data de 16/11/2020, segundo a decisão, o percentual de casos confirmados na unidade - 4,7% - era muito superior ao percentual verificado na população em geral do município de Rolândia - 2,6%.

Para a magistrada a "a atitude da ré demonstra a falta de consideração para com seus mais de 3.000 empregados (apenas na unidade de Rolândia), elementos fundamentais no processo produtivo, sem qualquer preocupação em assegurar direitos básicos e elementares de saúde e segurança no trabalho no contexto de uma pandemia global, que somente no Brasil já vitimou mais de 640 mil pessoas. O desrespeito atinge a família desses trabalhadores, potenciais vítimas de contágio, além de toda a sociedade, considerando a circulação dessas pessoas".

Além da compensação dos danos morais coletivos, no valor de 10 milhões de reais, a sentença determinou que a empresa: 1) cumpra o distanciamento mínimo de 1 metro, entre postos de trabalho e nas áreas de descanso e refeitórios; 2) forneça diariamente máscaras PFF2 ou N 95 nas atividades com distanciamento inferior a 1 metro; 3) promova o afastamento de todos os empregados com suspeita ou confirmação de Covid-19 e contatantes, com a realização de testagens de todos os casos, como condição necessária para o retorno ao trabalho antes de 14 dias de afastamento; 4) faça testagem em massa de todos os empregados da empresa em um mesmo turno, toda vez que for verificada a relação de 1 caso positivo de Covid-19 para cada grupo de 200 empregados; 5) condicione o retorno ao trabalho à obtenção dos resultados dos exames e custeio das testagens.

O Tribunal Regional do Trabalho do Paraná concedeu efeito suspensivo ao recurso ordinário da empresa estabelecendo que as obrigações de fazer estabelecidas pela sentença só poderiam ser exigidas após o julgamento do recurso.

Segundo o Procurador do Trabalho Heiler Ivens de Souza Natali, que ajuizou a Ação Civil Pública, "os frigoríficos são ambientes com elevada concentração de trabalhadores em ambientes fechados, com baixa taxa de renovação de ar, baixas temperaturas, umidade, dentre outros fatores de risco. Assim, estas condições favorecem enormemente o contágio de qualquer síndrome respiratória".

Para os Procuradores do Trabalho Leomar Daroncho, Sandro Sardá e Lincoln Cordeiro, do Projeto Nacional de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos "todos os frigoríficos do Grupo JBS no Brasil optaram por não firmar Termos de Ajuste de Conduta, tendo por objeto a adoção de medidas de prevenção à Covid-19. As empresas do Grupo JBS, durante toda a epidemia, vêm se negando, por exemplo, a realizar testagens em massa em suas unidades, mesmo após graves surtos que assustaram a população dos municípios em que estão instalados. Também se recusam a adotar outras medidas que visam a assegurar os direitos fundamentais dos trabalhadores no contexto da pandemia, não restando outra solução jurídica senão o ajuizamento de mais de 30 Ações Civis Públicas sobre a matéria em todo o Brasil".

Os Procuradores do Trabalho esclarecem que, no período de março a setembro de 2020, foram firmados TACs, sobre medidas de prevenção à Covid-19, abrangendo cerca de 100 unidades frigoríficas, em benefício de mais de 200 mil trabalhadores.

Para os Procuradores "o MPT observa, com profunda preocupação, movimentos de redução dos custos das empresas, em detrimento da proteção da saúde dos trabalhadores, tanto em relação à pandemia de Covid-19 quanto em relação à proposta de revisão da Norma Regulamentadora nº 36 (NR 36), processo no qual o setor vinha defendendo a supressão das pausas de recuperação psicofisiológicas, a mais importante medida de proteção à integridade física e mental dos trabalhadores do setor".
A JBS, maior produtora de proteínas do mundo é detentora das marcas Swift, Friboi, Seara, dentre outras, estando presente em 15 países em cinco continentes e empregando cerca de 150 mil empregados no Brasil. No terceiro trimestre de 2021, a empresa apresentou lucro líquido de 7,6 bilhões de reais.

A unidade de Rolândia (PR) é uma das maiores unidades de aves do Grupo JBS, chegando a abater e a processar até 330 mil aves ao dia.