Projeto com sementes crioulas quer garantir a conservação da agrobiodiversidade durante a pandemia no Paraná
(Curitiba, 29/10/2020) Já estava tudo planejado: a partir de maio de 2020, o grupo de mais de 100 agricultoras e agricultores guardiões das sementes crioulas no Paraná participaria de mais de 30 feiras, em toda a região sul do País, para disseminar e trocar experiências sobre agrobiodiversidade, agricultura familiar e alimentação saudável. Mas, com a pandemia de Covid-19, os planos tiveram de ser adiados. Mais do que isso: repensados, adequados a uma realidade ainda em construção. Porque a produção não para – e é necessário escoar o que já foi colhido para, consequentemente, pôr comida na mesa das famílias que fazem da agricultura seu modo de vida e fonte de renda.
Os guardiões e guardiãs integram a Rede Sementes da Agroecologia (ReSA), que nasceu em 2015 como um espaço de articulação e organização de iniciativas que dizem respeito às sementes no Paraná. A Rede tem como objetivo fortalecer a agroecologia como modelo para a produção de alimentos, garantindo uma maior autonomia às famílias produtoras e consumidoras, promovendo o conhecimento e a multiplicação das variedades e das experiências.
Até o ano passado, as festas e feiras de sementes eram a forma mais efetiva para este trabalho e, também, para o diálogo com a sociedade. No entanto, essas atividades que promovem o acesso direto a quem se interessa em adquirir sementes crioulas envolvem, inevitavelmente, a reunião de centenas ou milhares de pessoas em um mesmo espaço. Então, como fazer para garantir o sustento desses trabalhadores e trabalhadoras?
Foram necessários novos olhares e perspectivas na busca por alternativas para que as famílias pudessem fazer circular as sementes da safra 2019/2020. Além disso, era necessário viabilizar uma forma de ajuda emergencial aos guardiões e guardiãs na comercialização dessas sementes, que estão armazenadas e preparadas nas casas de sementes, em propriedades rurais e urbanas. É vital que os estoques circulem e sejam vendidos para que não haja perdas – especialmente em sua qualidade de germinação, gerando renda paras as famílias agricultoras.
Parcerias – Em maio, a ReSA decidiu buscar auxílio de parceiros para pôr em prática o Projeto Emergencial de Conservação e Multiplicação da Agrobiodiversidade no Paraná. A ideia é contribuir para a proteção da agrobiodiversidade e valorização econômica da produção de sementes destinadas à produção de alimentos saudáveis, fortalecendo a agricultura familiar, povos indígenas e comunidades tradicionais.
O Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR) é um dos parceiros que acreditam na promoção da agricultura familiar e na conservação das sementes crioulas. Foram destinados R$ 564.716,62 – resultantes de multas aplicadas em acordo trabalhista – para que sejam aplicados com exclusividade neste projeto. “O Ministério Público do Trabalho tem por atribuição garantir melhoria nas condições de trabalho e renda de todos os trabalhadores, neles incluídos os pequenos agricultores que trabalham em regime de economia familiar. Para além disso, a produção de alimentos agroecológicos dispensa o uso de agrotóxicos, o que, além de proteger o meio ambiente como um todo, também promove impactos positivos no meio ambiente de trabalho, assegurando saúde para quem trabalha”, afirma a procuradora-chefe do MPT no Paraná, Margaret Matos de Carvalho.
O projeto - A proposta da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, entidade responsável pela administração dos valores e pelo projeto, é adquirir sementes diretamente das famílias guardiãs ligadas à ReSA e distribuí-las para famílias agricultoras – que já produzam ou que estão iniciando. A AS-PTA estima que 2.500 famílias receberão as sementes crioulas, tornando-se também guardiões e multiplicadores das sementes no Paraná.
É importante ressaltar que a articulação de diferentes organizações sociais do campo com famílias guardiãs desde os anos 80 fortalece a criação de redes de tecnologias alternativas, reafirmando estratégias coletivas de resistência ao modelo da revolução verde. A ReSA é uma das redes agroecológicas que surge deste processo de articulação de décadas.
O projeto conta com diversas ações, como a ampliação da rede de multiplicadoras/es de sementes crioulas no estado; a ampliação da conservação da agrobiodiversidade nas propriedades rurais; o fortalecimento da autonomia alimentar das comunidades indígenas e quilombolas; a garantia da produção de sementes crioulas para a geração de alimentos saudáveis; e o fortalecimento e ampliação da geração de renda familiar com a comercialização de sementes crioulas puras e de qualidade.
Quase 30 toneladas de sementes crioulas chegarão a comunidades rurais e urbanas de todo Paraná, separadas em dois eixos: cereais, que representam o maior volume, e as hortaliças, plantas medicinais, frutíferas e flores, que trazem uma grande diversidade de espécies e irão em sementes e mudas.
Primeiro, serão entregues os cereais (milho, arroz, feijão), ramas de mandioca e mudas de batata salsa devido a época de plantio e as chuvas da primavera. A Cooperativa da Agricultura Familiar de Palmeira (CAFPAL) se tornou, na última semana, um entreposto da agrobiodiversidade e ponto central para logística de distribuição desta primeira etapa.
A caminho - Mais de 25 variedades de milho, 6 de feijão e 4 de arroz estão a caminho ou já chegaram nas diferentes regiões do estado. Haverá um ato simbólico de entrega das sementes na próxima sexta-feira, dia 6/11, a partir das 14 horas, no município de Rebouças, com a participação de representantes do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e famílias agricultoras que receberam os cereais. O ato será realizado em ambiente aberto, respeitando todos os protocolos sanitários de segurança para prevenção do contágio de Covid-19.
Após a finalização da primeira etapa de entregas, será iniciada a logística de entrega das sementes e mudas de hortaliças, plantas medicinais, frutíferas e flores, que beneficiarão as mesmas comunidades. A previsão é que as entregas sejam realizadas entre novembro e dezembro deste ano.
O QUE SÃO SEMENTES CRIOULAS?
As sementes crioulas são variedades desenvolvidas, adaptadas ou produzidas por agricultoras/es familiares, assentadas/os da reforma agrária, comunidades indígenas e quilombolas, comunidades tradicionais, com características que os/as agricultores/as e comunidades selecionaram por várias gerações, e adaptadas aos seus sistemas de produção. O resultado é um material único, adaptado a diversas situações climáticas, rico nutricionalmente e culturalmente.
Elas diferem das variedades comerciais, que têm suas características selecionadas somente para alcançarem alta produtividade, exigindo ambientes modificados com uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Portanto, o uso das variedades crioulas é compatível com as dimensões sociocultural eambiental das comunidades, ou seja, respeitam o jeito tradicional de fazer agricultura das comunidades e preservam a cultura, o ser humano, a terra, a água, os animais e a vegetação natural.
QUEM SÃO AS GUARDIÃS E GUARDIÕES DE SEMENTES?
São pessoas que têm um profundo respeito e uma relação muito próxima com a natureza. Se preocupam com todo o processo de resgate, multiplicação, colheita e armazenamento de sementes. Seja para a sua própria produção, partilha ou para a comercialização das sementes.
COMO SERÁ A EXECUÇÃO DO PROJETO EMERGENCIAL?
• As sementes serão beneficiadas, embaladas e armazenadas pelas famílias de guardiãs/ões conforme instruções passadas aos agricultores pelas organizações que compõem a ReSA;
• As sementes serão adquiridas das famílias previamente consultadas e distribuídas para famílias agricultoras da mesma região e de outras regiões do Paraná, promovendo soberania às famílias de agricultores, indígenas e comunidades tradicionais e renda para as famílias guardiãs de sementes;
• As famílias beneficiárias que receberão as sementes serão levantadas pelas entidades envolvidas, também indicadas pelas cooperativas da agricultura familiar e movimentos sociais camponeses;
• As famílias também receberão um material sobre como se tornar um guardião e guardiã, como multiplicar e conservar as sementes, dando a sequência à campanha “Adote uma semente e seja um novo guardião”, promovida pela AS-PTA e diversas organizações da ReSA;
• A família que receber a semente terá o compromisso de multiplicar e devolver uma quantia a entidade que realizou a distribuição, com o intuito de seguir multiplicando as sementes;
• Serão distribuídas sementes, em especial as de hortaliças, para a rede de consumidores urbanos conscientes, pelas redes solidárias e que cultivam hortas urbanas;
• Junto com as sementes será entregue uma caderneta de anotações para o acompanhamento do desenvolvimento das plantas, a fim de auxiliar as famílias agricultoras na compreensão das espécies que passarão a conservar;
• Pretende-se realizar atividades juntos aos receptores das sementes para formação, caso seja possível, após o isolamento social devido à pandemia da Covid-19. Esses encontros serão organizados pelas entidades parceiras do projeto, ligadas a ReSA.
QUALIDADE DAS SEMENTES
• Todas as sementes deverão ser beneficiadas e classificadas para serem comercializadas;
• Devem ser empacotadas e identificadas com informações como nome, variedade, safra, entre outros;
• Ter teste de germinação e vigor para assegurar a qualidade fisiológica;
• No caso das sementes de milho, serão realizados testes de transgenia em todas as variedades que serão distribuídas, em razão da ameaça de contaminação pela polinização cruzada;
• Não serão utilizados tratamentos químicos na preparação das sementes a serem distribuídas.
ORGANIZAÇÕES QUE INTEGRAM A ReSA: A Rede Sementes da Agroecologia é composta por diversas organizações e movimentos sociais que atuam pela preservação da agrobiodiversidade, tanto no campo quanto na cidade. Veja quais são: ABAI, ASSESOAR, AOPA, AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Rede Ecovida, CPT, CAPA, MST, Terra de Direitos, Instituto Contestado de Agroecologia, Coletivo Triunfo, Centro Ecológico Terra Viva, Coletivo de Jovens de São João do Triunfo, Fecoqui-PR, Grupo Terra Jovem, Terra Indígena Pinhalzinho, Terra Indígena Laranjinha, Terra Indígena Ywy Porã e UEPG-LAMA.
Fotos: ReSA
Assessoria de Comunicação do MPT-PR
prt09.ascom@mpt.mp.br | 41. 3304-9103 / 98848-7163
Assessoria de Comunicação da AS-PTA
Luiza Damigo: luiza@aspta.org.br | 41 995700033
Assessoria de Comunicação da ReSA
resa.comunica@gmail.com